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Rodovia BR-365 entre Uberlândia e Patrocínio — Foto: TV Integração/Reprodução
Ao analisar o edital do Programa de Concessões Rodoviárias do Governo de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) a exclusão das BR-365 e BR-452 entre as rodovias que serão entregue à iniciativa privada.
O documento foi assinado pelo Cléber Eustáquio Neves, no dia 13 de agosto, e deu prazo de 10 dias ao Estado de Minas Gerais para o cumprimento da recomendação.
O trecho da BR-365, entre Uberlândia e Patos de Minas já se encontra judicializado na 2ª Vara Federal de Uberlândia, inclusive com estudos licitados para a duplicação.
O G1 contatou a Seinfra para saber a posição dela sobre a recomendação e se ela já se manifestou. Veja a nota da secretaria na íntegra ao fim da reportagem.
Recomendação
De acordo com a recomendação, as rodovias BR-365 e BR-452 devem permanecer sob domínio da União e gestão do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), para fins de futura concessão, se for o caso, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A privatização das rodovias federais BR-365 e BR-452 fazem parte do lote 1, que contempla rodovias do Triângulo Mineiro, do programa estadual. Para o MPF, porém, há diversos aspectos questionáveis e até graves irregularidades no edital de concessão.
“Efetuamos uma análise pormenorizada do edital e constatamos que várias cláusulas, além de proporcionar facilidades inexplicáveis à futura concessionária, acarretam enorme insegurança jurídica, com riscos de prejuízo ao erário e aos próprios usuários da rodovia que vão muito além das tarifas abusivas, e resvalam na própria segurança viária e no total descaso com o interesse público”, afirmou o procurador da República Cléber Eustáquio Neves.
Segundo o procurador, atualmente, a BR-050, administrada pela Eco050, e o trecho da BR-365, sob gestão da Ecovias do Cerrado, têm pedágio a R$ 0,075 e R$ 0,078 por quilômetro, respectivamente.
“Mas a proposta de concessão formulada pelo Estado de Minas Gerais prevê tarifa entre R$ 0,110/km e R$ 0,130/km, em preços de 2020, o que implicará em tarifa superior a R$ 13, sem falar na recomposição inflacionária do período, resultando, em tese, num aumento injustificado superior a 45%”.
A recomendação apontou que o modelo proposto pelo governo mineiro ainda prevê que o incremento do tráfego nas rodovias funcionará como gatilho para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, o que seria injustificável, segundo MPF.
“Não faz nenhum sentido o incremento de tráfego numa rodovia levar ao reequilíbrio do contrato, até porque o aumento de tráfego naturalmente elevará o faturamento da concessionária. Ou seja, se há incremento de tráfego, sem gasto da concessionária, não há qualquer justificativa para esse gatilho”, afirmou o procurador da República.
Além do aumento das tarifas, o MPF também estranhou que o edital não preveja a prestação do Serviço de Atendimento Pré-Hospitalar (SAH) pela concessionária, como ocorre nos contratos atuais.
“Essa é uma indicação claríssima de que não há uma preocupação com a segurança viária dos usuários do sistema rodoviário, pois o SAH sabidamente salva milhares de vidas todos os anos, principalmente no caso de acidentes que demandam um atendimento rápido e de qualidade, como de acidentes com vítimas presas às ferragens”.
Insegurança jurídica
A recomendação do MPF também apontou a existência de conceitos vagos e imprecisos no edital, entre eles, a autorização do poder concedente para o que chama de "investimentos pré-autorizados". O MPF ressaltou que a expressão é “extremamente vaga e frágil do ponto de vista regulatório, até porque o Ente Regulador não pode pré-autorizar nada sem a devida análise do interesse público e de seu projeto”, e potencializa não só o risco de integridade dentro do próprio órgão (corrupção), como a possibilidade de superfaturamento das obras.
O MPF segue citando ainda o fato de que o edital, além de vedar ao poder concedente realizar intervenções no contrato, por outro lado, prevê que a concessionária possa alterar livremente os "parâmetros de desempenho" desse instrumento, inclusive estabelecendo ela própria os prazos para a conclusão das obras.
“Ora, um contrato existe justamente para conferir segurança jurídica a ambas as partes, em especial quando de um lado está o poder público e a sociedade. Neste caso, porém, o que se tem é uma evidente e absurda situação de insegurança jurídica. O Ente Regulador tem por obrigação apresentar objeções a projeto de que discorda, especialmente quando ferir o interesse público e independentemente de ele basear-se, ou não, em apontamentos técnicos da concessionária, até porque se uma solução de projeto não for efetiva, ou viável ao interesse público, é missão do Ente Regulador intervir, justamente para evitar a possibilidade de a concessionária pedir obras extras ou sugerir projetos mirabolantes. O contrato proposto pelo governo estadual, no entanto, inviabiliza totalmente essa possibilidade”, explicou Cléber Neves.
Inadequações técnicas
Também chamou a atenção do MPF cláusulas que tratam de aspectos técnicos, como configuração da pista de rolagem, dos acostamentos e dispositivos de segurança, todas elas, segundo o procurador, com inadequações que contrariam tanto as normas atualmente em vigor quanto estudos periciais.
Na análise do Ministério Público, o edital também não definiu claramente o que são “pontos críticos da rodovia”, embora preveja que a concessionária somente implantará "dispositivos de segurança nos pontos críticos da rodovia" até os 72 meses da concessão.
“Interessante também notar que o contrato prevê apenas 10 km de duplicação numa rodovia com volume diário de tráfego altíssimo, sendo certo que já existe laudo pericial indicando a necessidade de duplicação imediata de todo o trecho entre a BR-365 e a BR-040”, falou o procurador da República.
Inexistência de agência reguladora estadual
Outra irregularidade apontada pela recomendação está no fato de que o governo mineiro deu início ao programa de concessão e abriu os editais antes mesmo da criação da agência reguladora de transporte terrestre do estado de Minas Gerais.
De acordo com o MPF, a inexistência de um organograma funcional e das normativas da agência “trará insegurança jurídica e tornará os pedágios mais onerosos, como foi o caso das concessões efetivadas na década de 90, quando não havia agência reguladora em nível federal, as quais, hoje, possuem os pedágios mais caros, resultado, especialmente, dessa insegurança jurídica”.
“Some-se a isto a previsão totalmente absurda, presente na minuta apresentada pelo edital, de que o Ente Regulador, portanto, o fiscal do contrato, deverá se submeter ao comando e ordens da concessionária. Isso é um despautério, pois uma agência reguladora existe exatamente para fiscalizar e fazer cumprir os contratos a ela submetidos. Não é uma discricionariedade. É um poder-dever.”, finalizou Cléber Eustáquio Neves.
O que diz a Seinfra
"A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) esclarece que solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a extensão do prazo de resposta por mais 10 dias.
O motivo do pedido de extensão do prazo se deve à reunião realizada pelo Secretário de Infraestrutura e Mobilidade, Fernando Marcato, com o procurador Cleber Eustáquio Neves, na última segunda-feira (30/8), em Uberlândia. Na ocasião, foi possível expor os estudos técnicos que vem sendo realizados há mais de 1 ano pelo BNDES para a concessão (e não privatização) da BR-365 (Uberlândia-Patrocínio) e mais 500 quilômetros de rodovias no Triângulo Mineiro.
A concessão do lote 1 (Triângulo Mineiro) faz parte do Programa de Concessões Rodoviárias do Governo de Minas que, ao todo, contemplará 120 municípios mineiros e terá uma extensão de 3.250 quilômetros.
O programa gerará investimentos da ordem de R$ 11 bilhões e terá como principal benefício o aumento da segurança e da fluidez de tráfego nas rodovias mineiras. Cabe ressaltar que o modelo de concessão proposto pelo programa vem sendo desenvolvido com sucesso pelo governo federal e por outros estados brasileiros.
É importante destacar que, apenas na concessão das rodovias do Triângulo, os investimentos previstos chegam a R$ 2 bilhões, que vão gerar mais de 37 mil empregos diretos e indiretos.
A Seinfra já realizou audiências públicas na região, além de reuniões individuais com os prefeitos sobre o projeto. A secretaria reafirma que permanece à disposição para dialogar com todos aqueles que tenham sugestões de aperfeiçoamento para o Programa de Concessões proposto".